Parte I: Os Territórios Inexplorados

Seção 1: O Deserto de Serappicco - A Tumba Abrasadora de um Império

1.1. Introdução: As Vastidões Sussurrantes

O Deserto de Serappicco não é um vazio, mas um cemitério. É uma terra assombrada pelo fantasma de um império caído, onde o brilho do sol não é apenas uma ameaça física, mas um julgamento divino, um lembrete constante da arrogância daqueles que vieram antes. O próprio deserto é uma entidade: vingativo, secreto e impregnado de um poder esquecido. Suas areias sussurram histórias de glória e ruína, e seus ventos carregam os lamentos de uma civilização que ousou desafiar os céus e foi por eles consumida. Para os poucos que ousam atravessá-lo, Serappicco oferece não apenas perigos mortais, mas a promessa de riquezas e conhecimentos que poderiam abalar as fundações do mundo conhecido.

1.2. Geografia e Ecologia: Uma Terra de Fogo e Vidro

A paisagem de Serappicco é uma cicatriz no mundo, moldada por uma fúria divina que deixou marcas indeléveis.

  • As Areias Móveis da Punição: O coração do deserto é um vasto erg, um mar de dunas que não obedece às leis da geologia. As areias estão em perpétuo movimento, não apenas pelo vento, mas por uma vontade residual que parece ocultar ruínas e revelar segredos de acordo com um capricho antigo. Esta é uma consequência direta da queda do império, uma maldição que garante que seus restos mortais nunca descansem em paz.1

  • As Mesas Cristalinas: Em vez de formações rochosas, o deserto é pontilhado por platôs de areia fundida, transformada em vidro obsidiano afiado pelo cataclismo que aniquilou a civilização local. Essas mesas captam a luz do sol, criando reflexos ofuscantes e desorientadores que podem levar viajantes à loucura.2

  • Oásis dos Mortos: Os raros oásis de Serappicco são lugares de uma quietude perturbadora. A água é potável, mas carrega uma ressonância psíquica de tristeza. Aqueles que bebem dela podem experimentar visões fragmentadas dos últimos, agonizantes momentos do império.

  • Fauna Única: As criaturas de Serappicco evoluíram para sobreviver neste ambiente infernal, tornando-se tão mortais quanto a própria terra.3

    • Dracos de Areia Serappicanos: Lagartos venenosos, semelhantes ao Monstro de Gila 3, com escamas blindadas que mimetizam a obsidiana das mesas. São guardiões ferozes de tumbas antigas, e seu veneno causa febre e paralisia.

    • Espreitadores das Dunas: Grandes felinos caçadores de matilha, adaptados do Gato-do-deserto 4, com orelhas desproporcionais para regulação térmica e para detectar vibrações sob a areia, permitindo-lhes emboscar presas com precisão mortal.

    • Escorpiões de Carapaça de Vidro: Uma variante do Escorpião Deathstalker 3, cujo exoesqueleto possui uma qualidade vítrea e reflexiva, proporcionando camuflagem perfeita contra as mesas cristalinas. Seu veneno não mata rapidamente; em vez disso, induz alucinações vívidas e aterrorizantes, fazendo com que a vítima reviva os horrores da queda do império.

1.3. A Teocracia Perdida de Iram-Thar

Muito antes da fundação de Bastião, o Deserto de Serappicco era o lar da orgulhosa Teocracia de Iram-Thar.

  • A Cidade dos Pilares: Inspirada na lenda de Iram dos Pilares 1, Iram-Thar era uma metrópole de torres imponentes e templos opulentos que arranhavam o céu. Seu povo era fanático em sua adoração a Rodu, acreditando ser seus filhos escolhidos, a mais pura manifestação de sua luz no plano mortal.

  • A Arrogância dos Reis-Sol: Os governantes de Iram-Thar, os Reis-Sol, não se contentavam em apenas adorar o sol; eles buscavam controlá-lo. Através de uma fusão profana de magia divina e engenharia arcana, eles construíram o “Pináculo Solar”, uma torre colossal projetada para canalizar a essência de Rodu para o mundo, concedendo-lhes poder divino. Este ato de arrogância suprema foi a sua ruína.

  • O Dia do Fogo: A punição divina não foi uma tempestade de areia, mas uma explosão concentrada de energia solar vinda do próprio Rodu, enfurecido pela blasfêmia de seus filhos.1 Este evento incinerou o coração do império, derreteu as areias em vidro e libertou espíritos malévolos. Este ato demonstra a natureza dos Deuses Antigos descritos em seu guia: forças primordiais, distantes e terríveis quando provocadas.5

  • Os Daeva - Espíritos do Flagelo: O fogo divino que destruiu Iram-Thar não apenas queimou; ele criou. A intensa agonia psíquica e a energia divina corrompida deram à luz os Daeva, espíritos malévolos do deserto. Adaptados da mitologia persa 6, estes não são demônios no sentido tradicional, mas ecos do pecado e da punição. Cada tipo de Daeva personifica uma falha específica do povo Iram-Thari:

    • Os Druj 6 são espíritos de mentiras e enganos, que sussurram falsas promessas de tesouros para atrair viajantes para armadilhas.

    • Os Aka Manah 6 são espíritos de ganância que guardam cofres vazios, levando os intrusos à loucura com visões de riquezas inalcançáveis.

    • Eles são governados por uma entidade poderosa e invisível conhecida como o Rei Abrasado, um remanescente espiritual do último imperador de Iram-Thar, análogo a Ahriman 6, preso em um ciclo eterno de agonia e ódio.

1.4. Ruínas e Ganchos de Aventura

  • A Necrópole Submersa dos Reis Pilares: As tumbas reais de Iram-Thar, agora enterradas sob as dunas. A cultura da necrópole é fortemente inspirada nas crenças do Antigo Egito sobre a vida após a morte.8

    • Os aventureiros encontrarão câmaras repletas não de ouro, mas de bens funerários encantados, como estatuetas shabti que animam para defender as tumbas.10 O conflito central não é apenas combater monstros, mas navegar pelos julgamentos dos mortos, incluindo um ritual de “Pesagem da Alma”, onde o coração de um personagem é pesado contra uma “Pena da Verdade” para determinar se são dignos de prosseguir.9
  • O Fragmento do Pináculo Solar: O coto quebrado e vítreo da torre blasfema. Ele ainda irradia um poder arcano imenso e instável, e está infestado de Daeva. É uma fonte de componentes arcanos raros, mas é incrivelmente perigoso de se aproximar.

  • A Biblioteca da Areia Sussurrante: Um arquivo enterrado onde os pergaminhos se transformaram em pó, mas o conhecimento permanece como impressões psíquicas na areia. Eruditos e magos arriscam sua sanidade para aprender os segredos da magia solar dos Iram-Thari.

1.5. Conexões e Implicações Profundas

A criação de Iram-Thar serve a um propósito narrativo muito maior do que simplesmente preencher um espaço em branco no mapa. A história do Reino de Karlasgard, e especificamente de sua capital, Bastião, descreve uma teocracia militarista e absolutista devotada ao deus sol Rodu, governada por um “Grande Rei Sol” cuja linhagem é considerada divina.5 Ao estabelecer que Iram-Thar era também uma teocracia de adoração ao sol que foi destruída por sua própria arrogância, cria-se um precedente histórico e uma sombria profecia. Bastião está, sem saber, trilhando o mesmo caminho. Sua devoção fanática e busca por poder absoluto podem levá-los a um ato semelhante de arrogância e, consequentemente, a uma queda semelhante. Um artefato recuperado de Iram-Thar poderia ser tanto um aviso quanto uma tentação para os governantes de Bastião, criando uma tensão dramática poderosa e um arco de história potencial para o futuro.

Além disso, a natureza dos Daeva complica a teologia de Korala. No lore de referência, os Daeva são criações de uma entidade maligna.6 Aqui, eles são o resultado direto da ira de um deus “bom”, Rodu. Isso demonstra que a “luz” de Rodu não é puramente benevolente; é uma força terrível e destrutiva quando provocada. Isso reforça o tema central do seu mundo sobre o equilíbrio e o perigo dos extremos. Encontros com os Daeva tornam-se mais do que simples combates; são interações com o julgamento persistente de um deus.

Seção 2: O Arquipélago de Apios - As Ilhas Livres dos Exilados

2.1. Introdução: O Mar Indomado

O Arquipélago de Apios é um reino de desafio, um bastião de liberdade forjado nas águas indomadas. É o lar das raças expulsas pela “luz” do continente — os Orcs e os Draconatos, cujas contribuições para a construção da própria Torre de Rutilho foram apagadas da história.5 Aqui, longe da hipocrisia da Torre da Luz, eles criaram uma sociedade nova e radicalmente diferente. O arquipélago é um símbolo de liberdade para os oprimidos, mas também uma ameaça constante às rotas comerciais do continente, uma dívida de sangue que o mar nunca esquece.

2.2. Geografia e Perigos

  • Cadeias Vulcânicas e Picos Fumegantes: As ilhas são geologicamente ativas, com solo vulcânico difícil de cultivar, mas rico em minerais raros e gemas que os Draconatos valorizam para suas forjas.

  • Os Recifes de Navalha: Recifes de coral traiçoeiros e correntes imprevisíveis tornam a navegação pelo arquipélago quase impossível para aqueles sem o conhecimento local, protegendo as ilhas de invasões.

  • A Cova do Kraken: Uma profunda fossa oceânica no centro do arquipélago, nomeada na tradição local como o covil de um colossal Kraken.11 Navios que se desviam para perto de suas águas escuras nunca mais são vistos.

  • Monstros Marinhos Míticos: As águas de Apios são o lar de criaturas que o continente considera meras lendas de marinheiros.13 Isso inclui cardumes de bestas semelhantes a

    Cetus 13,

    Hidras territoriais que habitam cavernas costeiras 13, e colônias de

    Sereias em ilhotas rochosas, cujos cantos belos e mortais atraem navios para a destruição.

2.3. A Confederação de Apios: Uma República Pirata

  • Uma Sociedade de Párias: A Confederação é uma aliança instável, mas funcional, de clãs de guerra Orcs e revoadas de Draconatos. Sua história compartilhada de exílio forjou um laço poderoso, embora por vezes tenso, entre eles.

  • O Código Pirata e a Democracia: Sua sociedade não é uma monarquia, mas uma forma de democracia pirata.11 Cada ilha ou clã principal elege um capitão, e esses capitães formam um conselho. O líder geral, o “Almirante da Confederação”, é eleito para um mandato fixo e pode ser deposto por voto de desconfiança. Este sistema igualitário e meritocrático é um contraponto ideológico direto ao absolutismo de Bastião e à aristocracia de Constance.

  • Diversidade e Aceitação: Tendo sido vítimas de preconceito, a Confederação é surpreendentemente diversa. Qualquer um que renuncie ao continente e prove seu valor é bem-vindo, independentemente da raça. Isso atraiu Tiefirinos fugitivos, dissidentes humanos e outros que caíram em desgraça com os poderes do continente.14

  • Cultura de Resiliência: Sua cultura é uma fusão de xamanismo Orc e adoração ancestral Draconata, unificada por um profundo ressentimento pelos deuses do continente (Rodu e Vuin) e uma reverência pelo mar indomável, que eles veem como seu verdadeiro protetor.

2.4. Os Navegantes: Mestres do Oceano

  • Navegando Sem Magia: Os habitantes de Apios desenvolveram uma habilidade única e altamente respeitada: a Navegação. Esta é uma arte não-mágica de se orientar no mar, baseada em técnicas polinésias do mundo real.15

  • A Bússola Estelar: Os Navegantes usam uma “Bússola Estelar” mental 16, um sistema de 32 pontos baseado no nascer e no pôr das estrelas, para manter um curso preciso em vastas distâncias. Eles não precisam de uma bússola física, tornando suas habilidades incompreensíveis para os marinheiros do continente.

  • Lendo as Ondulações: Eles podem ler os padrões das ondulações do oceano para detectar a presença de ilhas distantes, pois as massas de terra interrompem o fluxo da água. Isso lhes permite encontrar novas ilhas ou voltar para casa, mesmo quando o destino está abaixo do horizonte.

  • Uma Habilidade Sagrada: A Navegação é uma arte profundamente espiritual e respeitada. Os Mestres Navegantes são tão reverenciados quanto os maiores guerreiros ou xamãs e são essenciais para a sobrevivência e o poder da Confederação.

2.5. Conexões e Implicações Profundas

A existência do Arquipélago de Apios é a consequência direta das ações do continente. A história de Rutilho celebra a união das raças na construção de sua torre, mas convenientemente apaga o papel dos Orcs e Draconatos, que foram exilados.5 Apios é a dívida cármica do continente que volta para assombrá-lo. Não é apenas uma “ilha de piratas”; é uma nação-estado de refugiados com uma queixa histórica legítima. Sua “pirataria” pode ser enquadrada não como simples banditismo, mas como atos de guerra ou a cobrança de reparações contra os poderes que os exilaram. Isso transforma uma facção padrão de “piratas” em um adversário ou potencial aliado politicamente e moralmente complexo. Uma missão para negociar a paz com Apios envolveria confrontar a “Grande Mentira” da história de Rutilho.

Além disso, a arte da Navegação serve como um contraponto temático à magia do continente. As sociedades do continente, como Caldera e a Academia de Korala, são definidas por seu domínio da magia.5 O povo de Apios, tendo sido expulso, desenvolveu uma maestria que é inteiramente mundana, mas igualmente poderosa em seu domínio. A Navegação 15 é um sistema de puro conhecimento, observação e habilidade. Isso cria um contraste fascinante. Enquanto um mago do continente usa um feitiço para encontrar seu caminho, um Navegante de Apios usa sua mente e seus sentidos. Isso torna o povo de Apios não apenas “menos mágico”, mas mestre de uma forma diferente e igualmente válida de poder, fornecendo um conjunto de habilidades e uma identidade cultural únicos para personagens de jogadores desta região.

Seção 3: As Planícies de Geloeterno - O Reino Primordial dos Gigantes

3.1. Introdução: A Terra Onde o Mundo Começou

As Planícies de Geloeterno são uma terra de poder primordial, um lugar que parece antigo, indomado e indiferente à passagem do tempo. É um reino de beleza austera e brutal, onde o véu entre o mundo mortal e o domínio dos Deuses Antigos é perigosamente fino. O vento que varre as planícies não carrega apenas neve, mas os ecos da própria criação, e o silêncio profundo é quebrado apenas pelo ranger do gelo eterno e pelos passos de gigantes.

3.2. Geografia e Ambiente: As Cicatrizes da Criação

  • O Eco de Jötunheim: A paisagem é inspirada no reino nórdico dos gigantes, Jötunheim.17 É uma visão caótica de glaciares imponentes e afiados, fiordes profundos e ecoantes, e uma tundra vasta e varrida pelo vento. O clima é extremo e imprevisível, um reflexo do caos primordial que define a região.

  • Os Ossos de Ymir: As cordilheiras que atravessam as planícies não são de rocha comum. Diz a lenda que são os ossos fossilizados de um gigante primordial, análogo a Ymir da mitologia nórdica.19 Este mito da criação é adaptado para Korala: as planícies foram formadas a partir do corpo do primeiro gigante, morto pelos Deuses Antigos em uma batalha que moldou o mundo.

  • As Geleiras Chorosas: Certas geleiras são infundidas com as lágrimas congeladas do primordial morto. Este gelo possui potentes propriedades mágicas, procuradas por alquimistas, mas também drena o calor e a vida da área circundante, criando zonas de frio antinatural.

3.3. Os Habitantes do Gelo

  • Os Jotnar - Os Gigantes do Gelo: A raça dominante das planícies são os Jotnar, descendentes diretos do gigante primordial.20 Eles não são inerentemente maus, mas seres de puro caos e natureza. São hostis à “ordem” do mundo civilizado e aos seus deuses, que veem como usurpadores. Vivem em vastos salões esculpidos no próprio gelo e são mestres de uma magia rúnica antiga, ligada aos elementos brutos.

  • O Povo da Longa Noite: Tribos mortais de humanos e golias que sobreviveram nesta terra hostil por milênios. Sua cultura, inspirada nos Inuit, é profundamente espiritual e pragmática.22

    • Angakkuq - Os Caminhantes Espirituais: Seus líderes espirituais não são sacerdotes, mas xamãs, os Angakkuq, que mediam entre os mundos físico e espiritual.22 Eles podem entrar em transe para comungar com os Tuurngait.

    • Tuurngait - Os Espíritos Invisíveis: Eles não adoram deuses no sentido tradicional, mas demonstram reverência aos espíritos (Tuurngait) que habitam todas as coisas.22 Isso inclui espíritos animais poderosos como

      Nanuq (o grande urso polar) e Amaruq (o grande lobo), e o espírito vingativo do mar congelado, Sedna, uma mortal que foi lançada ao gelo e agora controla as criaturas das águas frígidas.23

    • A Sobrevivência como Ritual: Sua vida diária e até mesmo seus jogos são voltados para a sobrevivência. Jogos como o “Chute de Um Pé” e o “Salto de Articulação” 24 não são apenas para diversão, mas são treinamentos para a agilidade e a resistência necessárias para caçar no gelo. Eles são mestres em usar todos os recursos disponíveis, desde criar ferramentas com ossos de rena e madeira flutuante até usar gordura animal para iluminação.25

3.4. Ameaças Antigas e Lendas

  • O Adormecido no Gelo: Nas profundezas da maior geleira, jaz uma entidade primordial adormecida, um dos Deuses Antigos, aprisionada desde o início dos tempos. Os Jotnar a veem como seu ancestral e buscam despertá-la, enquanto as tribos mortais temem seu retorno como o fim do mundo.

  • A Saga do Herói-Xamã Kaelen: Um herói lendário do Povo da Longa Noite que viajou para o coração de uma fortaleza Jotnar, não para lutar, mas para aprender os segredos das runas e acalmar uma grande nevasca que ameaçava consumir seu povo. Sua história é um conto de coragem e diplomacia em face do caos.

3.5. Conexões e Implicações Profundas

As Planícies de Geloeterno fornecem um local físico e um contexto cultural para o poder dos Deuses Antigos, que são mencionados no guia como forças distantes e caóticas.5 Esta não é apenas uma região fria; é um lugar onde as regras fundamentais do mundo, definidas por Rodu e Vuin, são mais fracas. A magia aqui é bruta, caótica e perigosa, diretamente ligada aos Jotnar e aos primordiais adormecidos. Isso torna as planícies um local de poder imenso para aqueles que ousam buscá-lo, como arcanistas da Academia de Korala, mas também uma fonte de ameaças apocalípticas. A região ancora fisicamente o conceito abstrato dos Deuses Antigos.

Além disso, a cultura inspirada nos Inuit do Povo da Longa Noite 22 oferece um sistema espiritual completamente diferente do dualismo Rodu/Vuin do continente. Sua relação com os Tuurngait não é de adoração e oração, mas de respeito, apaziguamento e equilíbrio. Um espírito não é “bom” ou “mau”; é uma força poderosa que deve ser compreendida e aplacada. Isso proporciona uma fantástica oportunidade de interpretação e um desafio às suposições dos personagens do continente. Um clérigo de Rodu pode ver um Tuurngait como um demônio a ser exorcizado, enquanto um Angakkuq sabe que ele deve ser apaziguado com um ritual específico, criando um conflito inerente e um profundo mal-entendido cultural.

Seção 4: A Costa Esmeralda - A Selva dos Deuses Perdidos

4.1. Introdução: O Inferno Verde

A Costa Esmeralda é um lugar de beleza sufocante e mistério antigo. A selva é uma entidade viva, guardando zelosamente as ruínas de uma civilização que viveu e morreu em harmonia e terror dela. O ar é pesado com umidade e com o cheiro de decomposição e flores exóticas. Cada ruído pode ser uma presa ou um predador, e cada sombra pode esconder um tesouro ou uma morte esquecida.

4.2. Geografia e Cidades Perdidas

  • O Dossel Esmeralda: Uma selva de múltiplas camadas, tão densa que o chão está em um crepúsculo perpétuo, mesmo ao meio-dia.

  • O Rio Serpente: Um rio enorme e sinuoso que é a principal artéria da região, mas suas águas são turvas e repletas de predadores vorazes e espíritos antigos.

  • A Cidade Perdida de Xylos: A capital da civilização esquecida, inspirada em cidades mesoamericanas como Tikal e Tenochtitlan.28 Apresenta pirâmides escalonadas imponentes, complexos palacianos extensos e campos de bola cerimoniais, todos agora sufocados por videiras e raízes.

  • Princípios Arquitetônicos Mesoamericanos: O layout da cidade não é aleatório. As pirâmides e templos estão alinhados com eventos celestes, como solstícios e equinócios, refletindo um profundo conhecimento de astronomia.31 A arquitetura é rica em relevos esculpidos que retratam seus deuses, rituais e história.

4.3. O Culto da Serpente Esmeralda

  • Uma Civilização Perdida: O povo de Xylos era uma sociedade teocrática sofisticada. Eles adoravam um panteão de deuses da natureza, sendo o principal deles um deus serpente emplumada, análogo a Quetzalcoatl 31, que representava o céu, o vento e o conhecimento.

  • Rituais de Sangue e Estrelas: Sua religião estava profundamente entrelaçada com os ciclos da natureza e do cosmos. Eles acreditavam que os deuses exigiam sustento, que forneciam através de sangrias rituais e, em tempos de crise, sacrifícios humanos.35 Esses rituais eram realizados no topo de suas pirâmides para estarem mais perto dos deuses.

  • A Grande Morte: Esta civilização não foi conquistada; foi exterminada por uma praga mágica que transformou sua carne em madeira e seu sangue em seiva. Eles acreditavam que foi uma punição de seus deuses por alguma transgressão desconhecida. Os poucos sobreviventes regrediram a tribos primitivas e isoladas que agora atuam como guardiãs das ruínas, profundamente desconfiadas de forasteiros.

4.4. O Conflito de El Dorado

  • A Atração das Esmeraldas: O conflito central é uma adaptação direta da lenda de El Dorado.38 Uma poderosa guilda de mercadores do continente, o

    Consórcio da Mão Dourada (detalhado na Parte II), ouviu rumores de uma “cidade de esmeraldas” na selva.

  • Mal-entendido Cultural e Ganância: O Consórcio, como os conquistadores espanhóis, entende mal a natureza do “tesouro”. As “esmeraldas” não são gemas, mas focos mágicos potentes que crescem apenas nas ruínas, infundidos com a força vital da civilização perdida. As tribos nativas as veem como relíquias sagradas, enquanto o Consórcio as vê como uma mercadoria a ser explorada.

  • A Expedição: O Consórcio estabeleceu um posto avançado fortificado, “Nova Hidela”, na foz do Rio Serpente e está enviando expedições armadas para o interior da selva, criando um confronto violento com as tribos nativas e os guardiões monstruosos da selva.

4.5. Conexões e Implicações Profundas

O conflito na Costa Esmeralda serve como um microcosmo do pecado original do mundo de Korala. O cenário é fundado na opressão e exploração de raças “menores” pelos “iluminados”.5 O conflito na Costa Esmeralda é um paralelo direto e atual disso. O Consórcio da Mão Dourada, um produto do continente “civilizado”, está repetindo a história. São invasores, movidos pela ganância, buscando saquear uma terra “primitiva” de seus recursos sagrados, assim como os fundadores de Rutilho exploraram os Tiefirinos. Isso permite que os jogadores se envolvam com o tema central do cenário não como história antiga, mas como uma crise ativa e contínua, onde podem escolher um lado.

Além disso, o uso de culturas mesoamericanas 36 como modelo para Xylos introduz uma “Alta Civilização” com uma estética, cosmologia e filosofia completamente diferentes. Sua arquitetura, sua religião baseada em calendários, seu conceito de realeza divina e seu panteão único criam um ambiente verdadeiramente alienígena e misterioso para os jogadores explorarem. Não é apenas outro “castelo em ruínas”; é uma janela para uma maneira fundamentalmente diferente de entender o mundo, o que enriquece todo o cenário.


Parte II: Facções, Figuras e Fundações

Seção 5: Facções e Sociedades Secretas

5.1. A Ordem do Sol Rúbeo (Bastião)

  • Ideologia: Uma expansão dos Magos Rubros de Bastião 5, esta é uma ordem religiosa militante que acredita que a luz de Rodu não é apenas um guia, mas uma arma. Eles veem o caos e a escuridão não como partes de um equilíbrio, mas como infecções a serem purgadas pelo fogo. Seu lema é ”

    Ordo per Ignem” (Ordem através do Fogo).

  • Estrutura: Inspirada em ordens militantes históricas como os Templários 41, a Ordem possui uma hierarquia rígida. No topo está o

    Grão-Mestre, que responde apenas ao Grande Rei Sol de Bastião. Abaixo dele estão os Cavaleiros-Magos, a elite que combina habilidade marcial com poderosa magia de fogo, vinculados por votos de obediência e lealdade. Na base estão os Iniciados, acólitos e soldados que servem aos Cavaleiros-Magos.

  • Objetivos: Expandir a influência de Bastião sob a bandeira de uma cruzada sagrada, erradicar a adoração de deuses “sombrios” como Vuin e os Deuses Sombrios, e recuperar artefatos “heréticos” para purificação ou destruição. Eles representam a filosofia da Ordem Tirânica.

5.2. O Consórcio da Mão Dourada (Rutilho/Hidela)

  • Ideologia: Uma poderosa guilda de mercadores que encarna a ambição de Hidela e a riqueza da nobreza de Rutilho. Publicamente, eles defendem o progresso, o comércio e a prosperidade. Privadamente, são capitalistas implacáveis que acreditam que a riqueza é sua própria justificação.

  • Estrutura: Inspirada na República de Veneza e na Liga Hanseática 44, a guilda é governada pelo

    Conselho dos Fundadores, um conselho de administração composto pelas famílias nobres mais ricas de Rutilho e pelos mestres de guilda mais bem-sucedidos de Hidela. Eles comandam uma vasta frota mercantil protegida por mercenários bem pagos e empregam Fatores (agentes) em terras estrangeiras para gerenciar seus interesses, como na Costa Esmeralda.

  • Objetivos: Estabelecer monopólios comerciais sobre recursos valiosos (como as esmeraldas da Costa Esmeralda), abrir novos mercados por quaisquer meios necessários, incluindo o uso de “diplomacia de canhoneira” 46, e acumular riqueza suficiente para rivalizar com o poder político de nações como Bastião. Eles são os principais antagonistas na Costa Esmeralda e representam o

    Progresso Explorador.

5.3. O Círculo do Equilíbrio (Os “Claras” Revelados)

  • Ideologia: A sociedade secreta conhecida como os “Claras” em Bastião 5 é, na verdade, uma organização global dedicada a manter o equilíbrio fundamental do cosmos. Eles acreditam que se a Luz (Ordem) ou a Sombra (Caos) ganharem domínio total, o mundo será destruído. Não são bons nem maus, mas agentes do equilíbrio.

  • Estrutura: Inspirada em sociedades secretas fictícias que buscam o equilíbrio 47, é uma organização celular e secreta. Os membros muitas vezes não conhecem as identidades de outros fora de sua célula imediata, usando codinomes e se comunicando através de intermediários. Sua liderança é um conselho anônimo conhecido apenas como o “Fulcro”.

  • Objetivos: Sabotar secretamente os planos de facções extremistas de todos os lados. Eles podem assassinar um Grão-Mestre particularmente zeloso da Ordem do Sol Rúbeo um dia e destruir um poderoso artefato dos Deuses Sombrios no outro. Eles veem o despertar do Adormecido no Gelo como uma catástrofe a ser evitada a todo custo. Sua aliança com o Rei de Bastião existe porque veem seu governo estável (embora tirânico) como um baluarte necessário contra um caos maior. Eles representam o Pragmatismo Moral.

5.4. Os Desamparados: Uma Frente de Libertação Tiefirino

  • Ideologia: Um grupo revolucionário nascido nas minas de escravos de Constance.5 Não são um exército formal, mas uma rede de espiões, assassinos e sabotadores. Seu objetivo é simples: a libertação completa de todos os Tiefirinos. Eles operam sob o princípio de que as leis de uma sociedade que os escraviza são ilegítimas.

  • Estrutura: Inspirada em sindicatos criminosos 50, é uma rede descentralizada de células, muitas vezes disfarçadas de gangues criminosas ou redes de contrabando. São liderados por um estrategista carismático e brilhante conhecido apenas como “Fim-da-Esperança”.

  • Objetivos: Perturbar a economia de Constance, orquestrar revoltas de escravos, assassinar figuras-chave no comércio de escravos e estabelecer uma pátria livre para os Tiefirinos, possivelmente nas terras selvagens ou forjando uma aliança com a Confederação de Apios. Eles representam a Libertação Violenta.

Estas facções são mais do que simples guildas de aventureiros; são movimentos políticos e filosóficos. A Ordem do Sol Rúbeo, o Consórcio da Mão Dourada, a Confederação de Apios, os Desamparados e o Círculo do Equilíbrio personificam as filosofias centrais do mundo. Qualquer evento importante pode ser visto através da lente de como essas cinco facções reagirão, criando uma paisagem política dinâmica e interconectada. Uma guerra entre Bastião e Apios não é apenas uma guerra; é um choque entre Ordem Tirânica e Liberdade Rebelde.

Tabela: Principais Facções de Korala e Além

Nome da FacçãoBase de OperaçõesLíder(es)Ideologia CentralObjetivos PúblicosObjetivos SecretosAliadosInimigos
Ordem do Sol RúbeoBastiãoGrão-Mestre ValeriusOrdem através do Fogo; purgar todo o caos e escuridão.Proteger o reino de hereges e monstros.Alcançar domínio político sobre todas as outras nações.O Trono de BastiãoCírculo do Equilíbrio, Confederação de Apios, adoradores de Vuin.
Consórcio da Mão DouradaRutilho, HidelaO Conselho dos FundadoresA riqueza justifica os meios; o progresso não tem preço.Expandir o comércio e trazer prosperidade a todos.Estabelecer monopólios comerciais e poder econômico absoluto.Nobreza corrupta, políticos comprados.Confederação de Apios, guildas rivais, nativos da Costa Esmeralda.
Círculo do EquilíbrioSecreto (global)O Fulcro (anônimo)O equilíbrio cósmico deve ser mantido a todo custo.Não possuem uma face pública.Sabotar extremistas de todos os lados para evitar o apocalipse.Indivíduos pragmáticos em posições de poder.Extremistas de todas as facções (Ordem do Sol Rúbeo, cultos sombrios).
Confederação de ApiosArquipélago de ApiosO Almirante da Confederação (eleito)Liberdade para os exilados; o mar não perdoa.Proteger sua soberania e seu povo.Cobrar a dívida de sangue do continente através de saques e guerra.Os Desamparados (potencial), dissidentes do continente.Bastião, Rutilho, Consórcio da Mão Dourada.
Os DesamparadosClandestino (Constance)“Fim-da-Esperança”Libertação a qualquer custo; as correntes devem ser quebradas.Não possuem uma face pública.Libertar todos os Tiefirinos e destruir o sistema escravagista de Constance.Confederação de Apios (potencial), simpatizantes da causa.A aristocracia de Constance, traficantes de escravos.

Seção 6: Heróis, Vilões e Lendas

6.1. Novos Heróis Lendários

  • Anya dos Sussurros de Gelo: Uma Angakkuq (xamã) do Povo da Longa Noite em Geloeterno. Ela não é uma guerreira, mas uma caminhante espiritual que uma vez viajou ao mundo dos espíritos para negociar com um poderoso Tuurngait e salvar sua tribo de uma fome eterna. Ela incorpora a sabedoria, a resiliência e a profunda conexão de seu povo com o mundo invisível.

  • Capitão Kaelen “Costas de Ferro”: Um Navegante Draconato de Apios. Ele ganhou seu nome ao navegar com sucesso seu navio através dos Recifes de Navalha durante um furacão para salvar um clã Orc rival, cimentando a aliança da Confederação de Apios. Ele é um símbolo da unidade, habilidade e espírito indomável dos povos exilados.

  • Sir Gideon, o Gentil: Um ex-cavaleiro de Bastião que se tornou um paladino de Morwyn (a deusa da compaixão) 5 após testemunhar a brutalidade de sua própria ordem. Ele agora vaga pela terra, buscando curar as cicatrizes deixadas pela Era das Trevas e proteger os inocentes de todas as formas de tirania, seja da luz ou da escuridão.

6.2. Grandes Vilões e Ameaças Atuais

  • Malek-Thar, o Rei Submerso: O último e mais poderoso Rei-Feiticeiro de Iram-Thar, ressuscitado como um poderoso lich. Ele está preso em sua necrópole, mas busca estender sua influência através dos Daeva e corrompendo mortais que procuram os tesouros do deserto. Seu objetivo final é completar o Pináculo Solar e drenar a vida do próprio Rodu, tornando-se um deus da não-vida.

  • A Voz de Asmodeus: Uma líder de culto carismática e bela chamada Lyra, que ganhou proeminência nas cidades do continente. Ela prega uma versão distorcida do equilíbrio, afirmando que a “luz” de Rodu se tornou arrogante e deve ser humilhada pela “ambição” de Asmodeus.5 Seu verdadeiro objetivo é fomentar uma guerra civil entre os seguidores de Rodu e Vuin, criando caos e derramamento de sangue suficientes para permitir que seu mestre sombrio ganhe uma grande influência no mundo.

Seção 7: Aprofundando o Lore

7.1. A Era Primordial: Deuses-Dragão e Reis-Gigante

Antes do panteão atual, o mundo era governado por Deuses-Dragão (seres de criação elemental) e Reis-Gigante (os primeiros Jotnar). Essas entidades eram manifestações físicas dos Deuses Antigos. Seu reinado terminou em uma guerra cataclísmica entre si, um conflito de puro caos que quase desfez o mundo. Esta foi a verdadeira “Era das Trevas”. Os deuses atuais (Eliwynos, Ventrinos) surgiram das cinzas deste conflito, trazendo ordem e estrutura ao mundo. Os Deuses-Dragão estão agora mortos ou em um sono profundo, e os Gigantes foram levados ao isolamento de Geloeterno.

7.2. O Cisma da Noite: O Culto de Nyxara

Nyxara, a terceira divindade original da Noite Estrelada 5, não era uma deusa do mal. Ela representava o mistério, o destino e a profecia — as verdades que só podem ser vistas na escuridão total, não iluminadas pelo sol ou pela lua. Seus seguidores eram videntes, astrólogos e místicos. Durante a ascensão da fé dualista de Rodu/Vuin, sua adoração foi rotulada como herética porque lidava com verdades desconfortáveis e destinos que não podiam ser controlados. Seu culto, os

Observadores de Estrelas, agora existe em segredo. Eles não são maus, mas são caçados pela Ordem do Sol Rúbeo. Eles buscam descobrir conhecimento oculto e acreditam que tanto Rodu quanto Vuin estão cegando o mundo para uma verdade cósmica maior.

7.3. Reinos Distantes

  • O Xogunato de Akari: Inspirado no Japão do período Edo 53, este é uma nação insular isolacionista muito a leste, do outro lado do Oceano Indomável. É governado por um Xogum sob a estrita política

    Sakoku, que proíbe a entrada de estrangeiros e a saída de seus próprios cidadãos sob pena de morte.54 A sociedade é uma hierarquia rígida de Xogum, Daimyos (senhores regionais) e Samurais. São mestres ferreiros, e seu “aço Akari” é lendário, mas quase impossível de adquirir. Seu isolamento levou a uma cultura única e ritualizada, mas também a uma estagnação em certas tecnologias.

  • A Dinastia Teocrática dos Faraós da Pedra do Sol: Inspirada no Antigo Egito 56, esta é um vasto reino desértico muito ao sul, além de Serappicco. É governado por uma linhagem de Faraós que são considerados deuses vivos, intermediários entre os reinos mortal e divino.57 Sua sociedade é uma teocracia estrita onde a classe sacerdotal detém imenso poder, e toda a estrutura econômica e social é baseada na lei religiosa e na vontade divina do Faraó. Eles adoram um panteão diferente de deuses do sol e do deserto, aparentados, mas distintos de Rodu, e são expansionistas, podendo eventualmente entrar em conflito com Bastião sobre qual “deus sol” é supremo.

A introdução de Akari e da Dinastia dos Faraós da Pedra do Sol transforma Korala de um cenário de um único continente para um verdadeiramente global. Estes não são apenas “outros lugares”; são grandes potências com seus próprios sistemas políticos e culturas únicas. Isso cria oportunidades para viagens épicas de longa distância, intriga política em escala global e a introdução de ideias e tecnologias radicalmente diferentes. Um navio de Akari naufragado na costa seria um grande evento. Um enviado diplomático dos Faraós da Pedra do Sol chegando a Bastião seria uma fonte de imensa tensão e conflito potencial, tornando o mundo maior, mais antigo e mais complexo.